Esgravato as paredes da memória desta cidade fria de onde congeminam pessoas que trepam aos infinitos prédios que perfuram o céu.
E este chora, derramando-se sobre a cidade cinzenta e suja, defecada por pombos. E todos mudam de pele a cada tocar do despertador.
Desejamos outras vidas, esgravatamos também memórias e enterramos desejos, abafamos os sonhos com a explosão da bala e esvaímo-nos para os bueiros que desaguam no rio da morte.
Um eterno jogo do rato e do gato, onde somos perseguidos pelas crianças de outros tempos e quando somos apanhados por esses antropófagos de infância, rimos de dor e de prazer – ensandecemos.
Assim é a vida na urbe, onde o betão consente ao sadomasoquismo das pessoas que o pisam e o humilham e que procuram por milagres.
Deus não concede milagres a formigas atraídas pelo doce que escorre dos sexos dos outros; querem sempre mais e mais e fogem para buraquinhos ao avistar a sombra do sapato gigante do tempo que as pisa assim, do nada. Pimba, morreu.
Voltando a mim: sentado num barco que se prepara para penetrar na cidade, constato a minha condição que daqui nunca sairei. Conto os dias de sol e as balas na algibeira. Fecho a mão e encosto o indicador à têmpora, puxo o gatilho sem cãibras e bocejo um bang. Acordo para um novo dia na cidade.
Sim, um novo dia.
E, de mãos na algibeira, olho o sol e penso que nem tudo é mau,
apenas gosto de exagerar. Só assim se consegue público.
Sim, um
novo dia.