As pessoas precisam do passado como a boca precisa do pão; precisam das memórias como o peixe precisa da água e, sem isso, chapinhamos inutilmente pela vida, a procurar por histórias e canções antigas.
Precisamos de muitas coisas, boas e más.
Precisamos de ser abalados por um daqueles sismos que destroem cidades, não que as cidades e as suas gentes precisem, mas é da destruição do velho que nasce o novo e as pessoas precisam de serem destruídas para se construírem novamente.
Precisam de receber em si a violência para conhecerem a paz, precisam do azedo para apreciar o doce.
No entanto existe uma linha que ninguém ousa cruzar: a da necessidade, da necessidade de dizer as coisas certas e as erradas. Aquela linha que impede que a pessoa seja desmontada como um relógio despertador, porque somos máquinas constituídas por peças pequenas em perfeita harmonia, que funcionam em uníssono para que a pessoa não deixe de indicar a hora certa, a hora certa para fazer as coisas.
Despertam e despertam-se, pelo menos deveria ser assim.
Existe essa linha e para lá da linha existe um canto com sombras e as pessoas refugiam-se no escuro; ninguém as vê.
Refugiar-se no escuro é uma desculpa para desculpar outros, é uma recusa para não sermos incomodados – mas depois saímos de forma grotesca.
Lamento, mas as desculpas evitam-se, assim como certas pessoas, mas na eventualidade de alguém se sentar ao nosso lado, teremos de a aceitar.
E, juntos na escuridão dos escombros, desculpamos tudo. Nunca a estupidez, a nossa. E porque precisamos do passado, de memórias e de histórias, começamos a falar, a desculpar e a sair. Mas já não damos as horas certas e o tic tac esmoreceu; dormimos juntos por aí, à vista da linha; chapinhamos com falta de ar, a devorar o que nos contam, passados que escorrem como areia por dedos enrugados.
Desculpamos tudo, mas as desculpas evitam-se. Assim como a vida.
Enfim, as pessoas precisam de imenso, mas não querem dar nada em troca. Nem uma palavra.