Já reparaste que se um de nós morresse agora, não iríamos saber?
De início seria normal, tu falavas e não respondia; deduzirias que estava ocupado. Esperavas, as horas passariam e farias uma concha com as mãos e chamavas por mim uma, duas e três vezes até o eco reconhecer os azulejos da cozinha vazia. Nada.
Passarias dias sem resposta, acharias que te estava a ignorar enquanto tu ignoravas a minha morte. Zangada, farias o mesmo.
É estranho, não é? Estando eu aqui e tu aí – sozinhos – não fazemos ideia das forças que nos rodeiam e se um de nós morresse neste exacto momento, ninguém nos avisaria porque ninguém aí ou aqui nos conhece. É triste.
Habituada e conformada que te tinha esquecido e que não tinha necessidade de te falar, continuarias a tua vida normalmente; podia acontecer alguém te encontrar e perguntarias sobre mim: morreu? Oh… e caías na realidade. Pensavas na nossa última conversa, como falámos e do que falámos. Tentavas imaginar as circunstâncias da minha morte, se estive sozinho, se senti dor e os meus últimos pensamentos, se pensei em ti, o funeral onde não compareceste e as flores que não deixaste. O erro de não teres insistido, de não teres ligado, alguém podia ter atendido a tempo, e de não me teres procurado.
Mãos na cara, choravas a imaginar a minha ocultada pela distância de alguns quilómetros e agora ocultada pelo pinho, terra, mármore e pela eternidade. Podias ter-me visto uma última vez antes de fecharem a tampa, podias ter plantado um último e derradeiro beijo nos meus lábios frios e daí brotar uma árvore, pode ser uma pereira? Gosto de pêras.
E farias uma concha com as mãos e dirias o meu nome uma, duas e três vezes até este se perder no ar. Gritarias para a almofada e afogavas-te num mar salgado na cama, relias as últimas conversas, relias os meus textos e perdias-te nas minhas histórias medíocres que agora já eram arte. Tentarias ligar, irias para o gravador: a minha voz, o último resquício de mim.
Exagero, penso. Não tenho intenção de ir a lado nenhum, mas se fosse nesta fracção de segundo, nunca irias saber até ser tarde demais, demais para quê?
Fica a incógnita do ocaso…