Os sótãos sempre me assustaram.
Recordo-me, em miúdo, daquele sótão que não era mais que um buraco no tecto de uma velha casa. Um olho no céu que me fitava e julgava.
Tal era o respeito, que não passava por baixo sozinho; não olhava para cima nem questionava. Assim era a minha fé.
Silencioso, ausente, mas era de noite que mais se fazia sentir.
A nesga de claridade e o ruído ensurdecedor do seu silêncio atraíam-me até si. A curiosidade digladiava a fé. O negrume do infinito do sótão era um universo comparado com a minha ínfima pessoa a olhar para cima. Sim, podíamos dizer que o sótão era a omnisciência e a presença divina, também podíamos dizer que era uma passagem para qualquer outro lado. A razão dizia que subia para o andar de cima.
Já crescido e com mitos destruídos, vejo os sótãos como bolsos de casacos de Inverno. Enfiamos a mão lá para dentro e agarramos em memórias. Apertamos contra nós e voltamos a arrumar.
Hoje sou feliz em sótãos. Não os associo à escuridão e ao silêncio, mas à luz, a arcas e baús e às patitas dos ratos das recordações que correm por dentro das paredes.
“No entanto, nunca entrei naquela cave…”