Um dia perdi-me num museu.
Quando escureceu, ouvi as voltas da chave, o trinco e o silêncio.
As luzes de presença acenderam-se e, como que por magia, os quadros ganharam vida: saíram das molduras e meteram-se a andar. Menos um, o teu.
Estavas atrás de uma parede de vidro e não te mexias. Sentei-me no chão e pus-me a olhar para ti como um burro olha para um palácio. De pernas cruzadas, e de olhos abertos, conheci-te as pinceladas, as cores, a moldura e as imperfeições.
Admito que não percebo muito de arte, nem sei se és barroca, decadente ou fauvista, mas para mim és impressionante!
Sinto, sinto que a mão que te pintou era uma mão apaixonada, sinto também raiva e a solidão. As tuas cores são quentes e vibram em notas musicais que se espalham em música pelos corredores escuros e vazios.
Não me consigo afastar, quero aproximar-me mais e tocar-te, quero poder falar-te, mas sou apenas uma pessoa e tu és uma obra de arte.
E tu não te mexias, e quando o Sol regressou, os quadros regressaram aos seus poisos.
Ouvi o trinco da porta, ouvi as voltas da chave e o barulho.
Entraram e encontraram-me de penas cruzadas, sozinho entre caixões a olhar para a tua foto.
“Uma noite perdi-me num cemitério.”