As portas da carruagem abriram-se e o Miguel entrou para um canto.
As pessoas empurravam e acotovelavam-se para conseguirem um lugar sentado; os últimos entravam para ficar em pé – a preencher as folgas da atmosfera do metro.
Por cima das conversas cruzadas e da voz robótica da senhora que anunciava a próxima estação, o Miguel puxou do telemóvel enfiado no bolso e aumentou o volume da sua música. Abriu as mensagens.
Ele era daquelas pessoas que voltava a ler tudo no dia seguinte como um bom aluno a rever os apontamentos. Só que ele não esperava uma boa nota, mas lembrar-se de alguma coisa, de alguém, de um detalhe ou momento específico e para se certificar de que tinha acontecido. Que a conversa tinha existido.
Ter sido uma boa ou má conversa era irrelevante, desde que tivesse sido real.
Entraram mais pessoas na paragem seguinte e a lata apertou-se.
Sentiu-se o calor humano e aquele aroma agradável de pessoas-depois-do-dia-de-trabalho, mas, no seu canto, o Miguel continuava a leitura com um sorriso agridoce e de reconhecimento nos lábios.
Ninguém reparava nele. Nem quando aquela mala ia contra ele. Os passageiros estavam perdidos em si e ele estava tão perdido naquela conversa.
Tinham sido ditas coisas boas, talvez boas demais para fazer qualquer um sorrir e corar, mas ele estava confuso e com a cabeça a mil. Na tarde que antecedeu a conversa, quase que beijou o destinatário das mensagens. Só que não o fez. Só na sua cabeça.
E o que aconteceria se a tivesse beijado? Que ondas causaria? E divagou: um beijo é uma metáfora para um contrato. As partes assinam sem o ler e ignoram a letra miúda e as entre. Sem darem por isso, estão no meio de algo de que não podem sair. Se a beijasse, jamais poderia regressar pelo mesmo caminho.
Pois. E ele é assim: seco. Uma rocha quieta e intemporal. Dura. Ela era a água; a onda; uma força vasta. Durante o hipotético beijo, iriam chocar à grande. Afastou a cabeça do ecrã e observou as portas a abrir para deixar mais almas escaparem.