Filmes na Cabeça

moving train photo

Ele era daquelas pessoas que voltava a ler tudo no dia seguinte como um bom aluno a rever os apontamentos. Só que ele não esperava uma boa nota, mas lembrar-se de alguma coisa, de alguém, de um detalhe ou momento específico e para se certificar de que tinha acontecido. Que a conversa tinha existido.


Chegou à última mensagem com alguma ansiedade.
Quando é que falariam de novo? Ele teria de esperar. Ela era muita coisa e paciente era uma delas. Talvez ela esperasse também ou sentisse o mesmo. Já ele pensava demasiado.
Guardou o telemóvel no bolso juntamente com o contrato.
Tempo. Iria dar mais tempo.
Os filmes e as música românticas teriam de esperar; os dramas, as incompatibilidades teriam de ser desbastadas. Também chegou à última paragem.
Os lábios sorriam genuinamente.

As portas afastaram-se e o que restava das pessoas derramou para fora. E todas ignoravam aquele canto, onde um tipo de casaco comprido olhava em frente, auscultadores nos ouvidos e com um sorriso tolo.
As costas dos últimos passageiros afastaram-se e ficou sozinho.
Eram tão diferentes. Sol. Lua. Sólido. Líquido. Porra, estava quase lá! Um contrato sem termo e com todos os benefícios. Talvez, talvez pudessem ser mesmo felizes.
A voz de nenhures relembrou que todos tinham abandonar a carruagem. Algum tempo depois, o rugir do motor passou a um ronronar, que acabou por adormecer. A porta junto ao canto desta história abriu-se e um homem fardado saiu, fechando e trancando-a antes de abandonar a carruagem. Mas pelo canto do olho, julgou ver alguém encostado: um moço a sorrir perdido, de telemóvel nas mãos. E música vinda de longe.
Espreitou para dentro, mas nada.

Provavelmente, era só um filme na sua cabeça.