Era a véspera de Ano Novo e o bar estava cheio. Tinha sido reservado para uma festa e não havia uma mesa vazia ou um copo seco.
As pessoas estavam espalhadas pelo Karaoke ou amontoadas numa mesa a palrar ou a jogar alguma coisa. Muitos estavam na rua a fumar e a tremer de frio, só com o álcool para aquecer.
Menos ela. A única mulher a não arredar pé do balcão e a meter conversa com o empregado que podia agora respirar.
Já não faltava muito para a contagem e, em breve, iriam todos para a rua. O melhor tempo para abrir a garrafa escondida e beber sozinho os segundos que faltavam para o próximo ano.
Mas ele reparou nela e achou-lhe piada.
“Gosta mesmo de conversar em bares?” brincou.
“É o melhor lugar.” Mexeu a bebida no fundo do copo. À frente tinha uma taça com batatas fritas.
“Vou concordar. Tens nome?”
“Mariana.“
“Olá, Mariana. Prazer.”
“E tu?”
“Hum” pensou para o ar. “Servente.”
“Servente?”
“Porque sirvo pessoas.”
“Trabalho de cão…” bebericou a bebida.
Poisou o copo em cima da base e suspirou uma nuvem quente de álcool.
“Tem dias.”
“Também lido com pessoas. Não sou fã.”
Ele acenou e voltou a encher-lhe o copo. Tirou a sua garrafa escondida e abriu-a à frente da Mariana.
“Faltam cinco minutos.”
As que ainda estavam no bar largaram tudo e começaram a marchar para a rua. Passas na mão, copos na outra e várias garrafas de champanhe debaixo dos braços.
O empregado aumentou o volume da televisão que estava num canal público, com um programa de fim de ano. Beberam o resto dos minutos até chegarem à contagem decrescente.
“Vai começar!” anunciou com entusiasmo.
“Finito! O fim do mundo dentro de segundos…” a Mariana suspirou. “Vai ficar por aqui?”
“Oh, depende.”
“Do quê?”
“Se quiserem beber mais, cá estou. Se for mesmo o fim do mundo, não estou.”
“Engraçadinho. Olhe, vá enchendo. Não tenho coragem de entrar no novo ano de copo vazio.”
“Então?”
“Então nada, encha, encha. Vamos celebrar!”
O empregado obedeceu graciosamente e dividiu o álcool. Ela bebeu do copo, ele directamente do gargalo. Nisto, ainda lhe perguntou se tinha desejos para o novo ano.
“Oblívio.”
“Hum, por alguma razão especial?”
“Mais trezentos e tantos dias de miséria e muitos a trabalhar.”
“Vidas.”
“Yeap.”
Enquanto isso, lá fora e ao frio, os foguetes rompiam pelo último céu do ano. Iluminados por flores efémeras de todas as cores, as pessoas festejavam, saltavam, bebiam, beijavam e atiravam felicitações entre si. Todas, excepto uma que bebia lá dentro, com o único empregado que também tinha ficado para trás. Ambos beberam aqueles dez segundos em silêncio a relembrar passados, presentes e a anteciparem futuros.
A fazerem resoluções que não iriam cumprir.
Escrito por André Soares Pereira, um pseudo autor de ficção, entre outras coisas.
Sigam-no por aqui, mas não na rua, por favor.